terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A efciêcia do controle de constitucionalidade prevetivo no poder legislativo

A EFICIÊNCIA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DO PODER LEGISLATIVO BRASILEIRO

Artigo apresentado no curso de pós-graduação lato sensu em Direito Constitucional realizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP como requisito para aprovação na disciplina de Direito Constitucional II.
Professor: Gilmar Ferreira Mendes/ 2008

A dissertação pretende abordar o tema do controle de constitucionalidade no momento em que se realiza a formação do ato normativo, antes do projeto virar lei. Trata-se, pois, do controle prévio, que visa o impedimento da inserção no sistema normativo de preceitos que padeçam de vícios durante o processo legislativo, como é o caso de leis aprovadas pelo Poder Legislativo, sancionadas pelo Presidente da República e, depois, declarada sua inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário, em detrimento do crivo a que se submeteram seus pressupostos constitucionais.

O enfoque deste trabalho ambiciona descrever os caminhos com os quais algumas proposições legislativas chegam mais rapidamente à sanção e, demonstrar que, impulsionados por mecanismos legais e, não raro, políticos, determinadas matérias tem seu tempo de tramitação abreviado, ainda que, para tanto alguns aspectos processuais simplesmente não sejam obedecidos, pois são enfrentados como verdadeiros obstáculos a impedir o objetivo pretendido, mesmo que ao arrepio da própria Constituição. São pretensões camufladas em acordos inusitados, resoluções eivadas de contradições, entendimentos de última hora, procedimentos que acabam por macular desde o nascimento do ato normativo, ainda que projeto, com graves vícios formais, para posteriormente engendrar no ordenamento jurídico mais uma lei que terá sua constitucionalidade questionada.

O caráter conclusivo das comissões, a urgência regimental e constitucional, a relevância das proposições, além do ato unipessoal, sem o devido processo legislativo prévio do instituto da Medida Provisória são, em suma, os gargalos do controle de constitucionalidade brasileiro.
O que se segue são críticas ao controle preventivo de constitucionalidade no momento do processo legislativo e da sanção presidencial. Embora visando o aperfeiçoamento da questão, o presente não enseja apontar nenhum novo modelo, apenas discutir à luz do conhecimento cabal a eficiência do controle preventivo de constitucionalidade brasileiro, que é controlar o acesso de normas inconstitucionais no ordenamento jurídico brasileiro.

A começar pela história do controle, assenta Hans Kelsen, citado por Alexandre de Moraes:[1]
“O controle de constitucionalidade configura-se, portanto, como garantia de supremacia dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição que, além de configurarem limites ao poder do Estado, são também uma parte da legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando possível o processo democrático em um estado de direito.”

Ensina Moraes[2], que a idéia do controle de constitucionalidade está ligado à supremacia da Constituição sobre todo ordenamento jurídico e, também, à rigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais. A supremacia constitucional adquiriu tamanha importância nos Estados Democráticos de Direito, que Cappelletti afirmou que o nascimento e a expansão dos sistemas de justiça constitucional após a Segunda Guerra Mundial foram fenômenos da maior importância na evolução de inúmeros países, sobretudo os europeus. [3]

É possível identificar três grandes modelos de justiça constitucional: o modelo norte-americano, que afirmou em 1803 a supremacia jurisdicional sobre todos os poderes constituídos, inclusive sobre o Congresso dos Estados Unidos da América e, posteriormente, em 1920 a constituição austríaca criou um tribunal constitucional com exclusividade para o exercício do controle judicial de constitucionalidade, em oposição ao sistema norte-americano, já que não se pretendia a resolução de casos concretos, mas a anulação genérica da lei ou ato normativo incompatível com as normas constitucionais. [4] E finalmente, o modelo francês, que presume um controle de constitucionalidade preventivo a ser realizado por um Conselho Constitucional, desde que provocado pelo Governo ou pelos Presidentes de qualquer das Casas legislativas. [5]

O controle de constitucionalidade jurisdicional no Brasil, após a Constituição de 1988, consagrou-se pela manifestação do controle difuso e do controle concentrado. No primeiro o ato jurídico pode ser apreciado em sua compatibilidade com a Constituição por qualquer juiz, contudo, a decisão definitiva cabe ao Supremo Tribunal Federal, cuja missão é a guarda da Constituição (caput do art. 102 da CF). No segundo, realizado pelo Supremo, maneja-se por Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, federal ou estadual, com efeito erga omnes. E, também, por Ação Declaratória de Constitucionalidade, (a, I, art. 102 da CF) que visa apontar, de um lado, a presunção relativa de constitucionalidade de que goza toda lei ou ato normativo em seu nascedouro, e, de outro, impugnar rápida e eficazmente um grande número de ações em que haja relevante controvérsia constitucional. Sobre a inconstitucionalidade por omissão, (§2°, art. 103 da CF) com efeitos ditados pela Constituição, resume-se em dar ciência ao órgão competente para editar a norma ou fixação de prazo para a adoção das providências cabíveis, e, ao instituto da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ensina o Professor Gilmar Mendes, há de ser aceita nos casos que envolvam alegação de contrariedade à Constituição decorrente de decisão judicial ou controvérsia de interpretação do judiciário que não envolva lei ou ato normativo inconstitucional. [6]

O controle preventivo de constitucionalidade cabe ao Poder Legislativo, no âmbito das suas comissões e, também, ao Executivo, através do Presidente da República, por meio do veto presidencial (§1º, art. 66 da CF) que será sempre motivado e poderá atingir o projeto no seu todo ou parcialmente. O veto, contudo, não é absoluto, apenas relativo e superável, desde que, em sessão conjunta das Casas, tomada dentro de trinta dias de seu recebimento, for rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em votação secreta (§4º, art. 66 da CF). Desta forma, é importante lembrar que a legalidade e o processo legislativo constitucional são similares, haja vista que, para qualquer espécie normativa que ingresse no ordenamento jurídico, deverá submeter-se a todo procedimento previsto na Constituição, que busca evitar o ingresso de leis inconstitucionais. Note que é possível, via mandato de segurança, parlamentares, impedidos de exercerem o direito de iniciativa e de voto no processo legislativo, podem postular o reconhecimento desse direito líquido e certo ante ao poder judiciário[7], vide MS 24.667 / DF – Relator: Min. CARLOS VELLOSO.[8]

Da análise do controle preventivo pelo Legislativo, no âmbito das suas comissões, observe que tanto o Congresso como as suas Casas terão comissões temáticas ou em razão de matéria; comissões permanentes, subcomissões, comissões especiais ou temporárias; comissões mistas, de inquérito ou representativas, permitindo dispor sobre matérias, instruindo-as e sistematizando-as, através dos seus respectivos Regimentos Internos, Regimento Comum e do processo legislativo constitucional. Dessa forma, estabelecida a quantidade de comissões e suas respectivas vagas, fixa-se o número de membros de que cada representação partidária - partidos ou blocos parlamentares - teriam direito a ocupar, observado o princípio da proporcionalidade (§ 1º, art. 58 da CF), com base no resultado final das eleições proclamado pela justiça eleitoral, desconsidera-se, portanto, mudanças posteriores.

Assim, quanto maior for a representação de uma determinada agremiação partidária, maior será o número de representantes em determinada comissão. [9] Evidencia-se, portanto, o controle político, primeiro para ocupar as presidências das comissões mais importantes - aquelas cujos méritos de seus pareceres são terminativos – segundo, na distribuição de projetos mais relevantes aos relatores mais comprometidos com o tema, e terceiro, na tramitação de matérias de especial interesse das maiores bancadas e da bancada do Governo, que geralmente são as mesmas. Desse modo o controle preventivo exercido pelo Poder Legislativo sofre um duro golpe, visto que, os interesses particulares sobrepõem-se ao interesse público e, ao mesmo tempo, ao jogo democrático que é o processo legislativo, onde muitas vezes, matérias absolutamente inconstitucionais têm seu crivo maculado, à medida que não são respeitados os pressupostos constitucionais. Toma-se como exemplo a apreciação de Medidas Provisórias; uma vez que a urgência e relevância, a rigor, não são observadas, nem pelas comissões mistas, que quase nunca se instalam, em total dissonância com o art. 62 da Constituição Federal, nem pelos plenários das Casas, que a aprovam sem ao menos abrir o debate no âmbito das comissões de justiça. Portanto, desfalece a democracia a míngua de parcos interesses, tendo em vista a urgência de reformas que Estado precisa.

Como foi citado o primeiro instituto a precipitar uma rápida tramitação de matérias é a Medida Provisória, com força de lei, tem eficácia imediata à publicação e tem prazo de vigência. O segundo é a dispensa da competência do plenário, de ambas as Casas, para votação de matérias. A Constituição Federal de 1988 fortaleceu ainda mais o papel das comissões, que passaram a apreciar conclusivamente as proposições (§2º, art. 58 da CF, e art. 24 do RICD, e II, art. 91 do RISF), visto que é dispensada a competência do Plenário para discutir e votar determinados projetos de lei ordinária, projetos de resolução, suspensão no todo ou em parte de lei declarada inconstitucional, e, também, poderá as comissões, apreciar terminativamente tratados ou acordos internacionais. Observe, pois, que são diversos recursos que o Legislativo dispõe por meio das comissões para equilibrar o exercício do poder - como propor a sustação de atos normativos do Poder Executivo, promover a fiscalização financeira e orçamentária da União e, através do princípio de freios e contrapesos entre os Poderes da República, cabe às comissões convocar Ministro de Estado, vide III art. 58 do CF e, processar todos os mencionados no II, art. 52 da CF. [10]

Importante registrar que, em regra, não pode uma comissão apreciar matéria inserida na área de atividade de outro colegiado, como por exemplo, é competência das comissões de justiça, de ambas as Casas, proferirem pareceres sobre a constitucionalidade e juridicidade de projetos, além de se manifestarem sobe a admissibilidade de proposta de emendas à Constituição, intervenção federal, perda de mandato de parlamentares nas hipóteses do inciso I, II e IV do art. 55 da CF, entre outras prerrogativas inerentes. É vedado, portanto, outra comissão instruir matérias emitindo esse tipo de parecer exclusivo das comissões de justiça, por isso a sua relevância enquanto instancia de instrução processual legislativa. Talvez a mais cobiçada.
O terceiro dispositivo que visa encurtar a tramitação das proposições são as urgências regimental e a constitucional (I, II e III, art. 336 do RISF e §2º, art. 157 do RICD e §1º, art. 64 da CF) visto que é lícito, além das Casas Legislativas, ao Presidente da República solicitar urgência na apreciação de projetos de sua iniciativa. Este instituto confere tramitação concomitante nas comissões despachadas e um prazo mais curto para a deliberação final em plenário da seguinte maneira: sendo anunciada a discussão e votação na Ordem do Dia, com parecer ou sem ele, o Presidente, no âmbito de suas competências regimentais, convocará os relatores em substituição a cada comissão que perdeu a oportunidade de se pronunciar. Ora, se eventualmente o Presidente avocar um relator e este não estiver presente, pode designar ad-hoc qualquer outro membro do colegiado para proferir o parecer pendente da comissão, não obstante, proferir verbalmente seu voto, mesmo que o mesmo não tenha nenhum conhecimento da matéria em face do mérito que ela enseja.

Conclui-se, portanto, que o controle preventivo de constitucionalidade, tanto pelo Poder Legislativo, como pelo Executivo, não é tão eficiente, ou seja, é possível que uma lei seja sancionada e passe a viger sem nunca ter-se discutido sua adequação jurisdicional à Carta Maior, pior, a provável a manipulação de votação, a fim de se acatarem leis inconstitucionais para beneficiar interesses escusos de setores econômicos, de grupos internacionais, de sindicatos, associações, enfim, o embate político permite a lacuna jurídica que falta ser preenchida para a implementação da lei.

Hoje se assiste ao atropelamento do ordenamento jurídico e dos princípios do Estado Democrático de Direito em detrimento da Constituição Federal, estabelecendo a perda do poder legitimado pela democracia às minorias. Por último, resta ao Judiciário o dever de dirimir questões e solucionar controvérsias suscitadas por comissão ou omissão das garantias fundamentais aos direitos subjetivos, à medida que são inúmeras as ações de inconstitucionalidade levadas ao Supremo, comprometendo ainda mais o desempenho da Alta Corte atada à discussão da constitucionalidade de leis mal formadas, mal instruídas pelo legislador, haja vista a pletora de proposituras em pauta referentes aos institutos da ADI, ADC, ADPF ou MS. Destarte, evidencia-se a troca de papeis, pois não cabe ao Judiciário legislar. Ao Poder Legislativo, portanto, é imprescindível cumprir com eficiência sua função precípua: o dever de elaborar leis de acordo com o devido processo legal e sua relevância para o interesse público em conformidade com a Carta Federal, a fim de que, com tudo isso, os anseios dos democraticamente representados possam ser alcançados.

[1] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12ª ed. Atlas Jurídico, 2002, p. 578
[2] MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2003
[3] CAPPELLETTI, Meuro. Tribunales constitucionales europeos y derechos fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Constitucionales, 1984, p. 599.
[4] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 288
[5] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20ª ed. Atlas Jurídico, 2006, p. 664
[6] MENDES, Gilmar Ferreira e Ives Gandra da Silva Martins. Controle concentrado de constitucionalidade. 2ª ed. Editora Saraiva, 2005, p105.
[7] VIEIRA JUNIOR, Ronaldo Jorge Araújo. O Supremo Tribunal Federal e o controle jurisdicional da atuação do poder legislativo: Visão panorâmica e comentada da jurisprudência constitucional. Brasília: Senado Federal. 2007, p. 204.
[8] MS 24.667 / DF. Ementa: O Supremo Tribunal Federal admite a legitimidade do parlamentar – e somente do parlamentar – para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo.
[9] CARNEIRO, André Corrêa de Sá; Luiz Cláudio Alves dos Santos, Miguel Gerônimo da Nóbrega Netto. Curso de Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Brasília: Vestcon, 2006, p. 116.
[10] Constituição Federal, Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal. Inciso II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade (art. 52 da Constituição Federal de 1988).

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