segunda-feira, 31 de maio de 2010

A evolução da gestão pública no Brasil (v.2)

A Evolução da Gestão Pública no Brasil

O Estado Democrático de Direito se caracteriza como aquele submetido ao direito, cujos poder e atividade estão regulados pela lei como expressão da vontade geral. Contudo, somente o fato de o Estado se submeter à lei não seria suficiente para a plena caracterização do regime democrático, posto que, se não estiver assegurada a necessária submissão à vontade popular e aos fins propostos pelos cidadãos, o Estado não cumprirá sua principal função, que é construir uma sociedade livre, justa e solidária. Ponto fulcral neste debate é que quanto mais avançado o estágio democrático, maior o interesse pela accontability. Valores como igualdade, dignidade humana, participação e representatividade, por exemplo, são indicadores positivos da ascensão ao Estado Democrático de Direito. De outro modo, a inexistência de controle e penalidades aplicáveis ao serviço público enfraquece o ideal democrático de governo. Para melhor definição e avaliação das políticas públicas é fundamental a compreensão das concepções de Estado e de política que sustentam tais ações e programas de intervenção, da estrutura institucional e seu processo de financiamento e gestão.

Somente a partir de 1930 é que são implementadas, pela primeira vez no Brasil, políticas de gestão pública, não apenas como perspectivas à administração, mas como técnica inspirada no modelo burocrático da autoridade racional-legal weberiana. Da mesma forma, os direitos políticos e civis foram concedidos a essa época, destacando-se o sufrágio universal e o direito de voto à mulher. No campo social é criado o Ministério do Trabalho, a CLT, a carteira de trabalho, a jornada de oito horas, além do salário mínimo. Vargas criou um órgão de assessoramento imediato ao Presidente da República, que o auxiliaria no processo de reforma burocrática, o DASP, responsável pela profissionalização das carreiras do serviço público. Todavia, esse novo modelo de Estado caracterizava-se por um vasto poder de intervenção na ordem econômica e social, de modo que o caráter patrimonialista – viés autoritário dessa modernização burocrática – privilegiaria ações privadas em detrimento das públicas.

Mais tarde, questões relacionadas com a modernização da gestão pública continuavam vigentes, porém centradas em outros objetivos, destinadas a atender de forma mais eficiente o Plano de Metas, que consistia no investimento em áreas prioritárias para o desenvolvimento econômico, como infra-estrutura e indústria. Contudo, de Jânio a Jango, tensões sociais dominaram o cenário político e predominava a ambivalência na administração pública, que se subordinaria ao golpe militar de 1964.

Semelhante a Vargas os governos militares propuseram reformas administrativas tendo como base legal o Decreto-Lei nº 200, que, entre outros, balizava a descentralização das atividades do setor público, a expansão das empresas estatais e sobretudo baseava-se em mecanismos de gestão do setor privado. Neste período foi criado o INPS, o FGTS, o BNH e o Funrural. O Programa Nacional de Desburocratização, cujo objetivo era simplificar o funcionamento do aparelho burocrático do Estado no governo Figueiredo não alcançou o que se pretendia. O período pós-Nova República foi marcado por uma grande paralisia na gestão pública, no entanto, a Constituição Federal de 1988 institucionalizou a participação da sociedade na gestão das políticas públicas, conselhos, orçamento participativo e plebiscito são exemplos dessa abertura.

Não obstante, após vinte anos de ditadura, o primeiro presidente eleito pelo voto direto distanciou-se das instituições públicas e teve seu legado messiânico maculado por um processo de impeachment. Sua gestão marcou tragicamente a administração pública por meio de uma reestruturação sem critérios racionais de controle. Tais tentativas de reforma desestruturou todo o aparato administrativo e agravou a ineficiência estatal. Na gestão FHC, entretanto, foram definidas mudanças através do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado que acabou tornando obsoleta a administração pública, dada a quantidade de propostas de reformas estruturais no campo das finanças, da previdência e do sistema institucional-legal. Contudo a meta do governo era reduzir seu tamanho e instituir o Estado mínimo.

Em todos esses casos o valor político accontability é muito baixo, visto que a capacidade dos cidadãos de agir na definição das metas coletivas de sua sociedade é quase nula. Embora a Constituição de 1988 garanta o acesso à cultura, ao trabalho, ao bem-estar social, entre outros, não seria demais acreditar que tais direitos nunca valeram para todos. Foram anos de muitas intervenções políticas e descaso com a gestão da participação pública. A “pobreza política”, segundo Campos, decorre da expectativa do povo na condição de tutelado e do Estado como tutor, uma vez que as pessoas optam por esperar que o Estado defenda e proteja seus interesses não organizados .

Conclusão:

A recuperação dos valores fundamentais, tais como cidadania, liberdade e justiça social é a saída para a crise política, pois como menciona Anna Maria Campos, “a impotência política deriva da falta de organização da população”. Quanto à gestão pública, os governos ainda reverenciam critérios particularistas, clientelistas e dominam as indicações para cargos de confiança. O serviço público ainda continua altamente vulnerável à politicagem, posto que o emprego público ainda funciona como moeda de troca no jogo político. Há uma relação de casualidade entre desenvolvimento político e a competente vigilância no serviço público. Portanto, quanto menos amadurecida a sociedade, menos provável que ela se preocupe com a accontability. Apesar dos esforços de mudanças no aparelho burocrático do Estado, as transformações ainda estão por vir.

Referências Bibliográficas

FRIEDE, Reis. Curso de ciência política e teoria geral do Estado. 3ª ed. Forense Universitária. 2006, p. 244
CAMPOS, Anna Maria. ‘Accontability’: Quando poderemos Traduzi-la para o português? In: Revista da Administração Pública, Rio de Janeiro, N 24 (2): fev/abr 1990
MARTINS, Paulo Emílio Matos e PIERANTI, Octavio Penna, Estado e Gestão Pública: Visões do Brasil contemporâneo, Rio de Janeiro. ed. FGV, 2006
PINHO, José Antonio Gomes de and SACRAMENTO, Ana Rita Silva. ‘Accountability’: já podemos traduzi-la para o português?. Rev. Adm. Pública [online]. 2009, vol.43, n.6, pp. 1343-1368. ISSN 0034-7612.

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