segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Para discutir o Brasil de ontem e de hoje. Capítulo 4 - A Independência (Segunda Parte)

A instalação da Corte no Brasil e as sucessivas medidas tomadas por D. João atingiram a essência do regime colonial. Tal ambigüidade era sentida por toda parte. No nordeste essas contradições apareceram com maior intensidade. Ali, as aspirações de independência definitivas eram tão profundas quanto a persistências coloniais. Isso porque o Nordeste era a região mais próspera e onde os interesses colonialistas portugueses estavam mais enraizados. Os comerciantes portugueses continuavam tão monopolistas como antes. Isso significava que grande parte dos lucros produzidos nas áreas rurais se transferia para os comerciantes portugueses, descontentando profundamente os grandes proprietários nordestinos.

As contradições se aguçaram ainda mais após a queda de Napoleão, em 1815, na Europa, visto que, o movimento revolucionário eclodido no Nordeste, em 1817, está situado numa fase de recessão generalizada, cujas manifestações se deram a efeito das flutuações dos preços dos principais gêneros exploradores. O açúcar e o algodão, principais produtos de exportação do Nordeste, sofrem queda sensível e permanente no mercado inglês.

Esse quadro de crise econômica aflorou múltiplas tensões sociais. Contra os comerciantes portugueses protestavam os grandes senhores rurais e toda massa de homens livres. Essas duas últimas camadas sociais eram contarias ao domínio comercial português por motivos distintos: enquanto os primeiros aspiravam ao autogoverno e ambicionavam ordenar a economia segundo seus interesses, para os segundos significava a própria sobrevivência, pois os produtos portugueses encareceriam os gêneros de primeira necessidade. Observe que a luta também era pela alteração da estrutura social, no sentido de acabar com a desigualdade econômica e racial. Foram essas as camadas se envolveram na revolução de 1817. Além desses setores, importante apontar a participação de grande número de padres, pois estes, sendo grandes proprietários, tinham a mesma aspiração da camada senhorial.

As tensões se agravaram ainda mais com a inescrupulosa taxação, com os déficits crônicos do Estado, que obrigavam os governantes a lançarem mão de empréstimos forçados, que recaiam sobre os grandes proprietários, provocando descontentamentos e inquietações. A tudo isso se somou a grave seca de 1816, que tornou ainda mais difícil a vida no Nordeste. Analisando sob a perspectiva da economia internacional, a luta pela descolonização foi também um momento de integração do mercado brasileiro ao internacional, sob direção britânica. De fato, desde 1808, agentes comerciais, militares ou diplomáticos da Inglaterra, Estados Unidos e França trabalharam para debilitar o domínio português no Brasil.

A revolução de 1817 foi inspirada ideologicamente pela corrente do pensamento iluminista; o Areópago de Itambé, como outras sociedades secretas, foi o cento de propagação de idéias anticolonialistas; o Seminário de Olinda também possuía um indisfarçável entrosamento com o Areópago e a Conspiração dos Suassunas expressaram muito dos ideais libertários em Pernambuco. Apesar das repressões, o espírito de contestação, difundido pelas sociedades secretas e pelo Seminário de Olinda, não se desfez, ganhando, ao contrário, novos e numerosos adeptos. Nessa época dentre as figuras representativas destacam-se o padre João Ribeiro, Antônio de Andrada – ouvidor-mor de Olinda e irmão de José Bonifácio – padre Miguelinho, Domingos José Martins, Frei Caneca – da Confederação do Equador – entre outros.

Desde a transferência da Corte para o Brasil, Portugal vivia uma situação incômoda: em 1808, foi atormentada pelas forças napoleônicas; posteriormente, com a expulsão francesa, passou a viver sob tutela inglesa. Até 1820, ano da revolução liberal, Portugal foi governado por Lord Beresford. A revolução propriamente dita eclodiu a 24 de agosto de 1820, e os rebeldes imediatamente formaram um governo: a Junta Provisional do Governo do Reino. A notícia da revolução do Porto chegou ao Rio de Janeiro em outubro de 1820. No mês seguinte D. João tomou conhecimento da adesão de Lisboa. Nesse ínterim, enquanto nada era decidido, a revolução se propagava para o Brasil. Em Salvador, o entusiasmo chegou às ruas, destacando-se a atuação de Cipriano Barata, co seu jornal As Sentinelas. A notícia dos acontecimentos na Bahia chegou ao Rio. D. João sentiu perder o controle da situação e resolveu agir: mandou o príncipe real D. Pedro a Portugal e, simultaneamente, criou uma comissão de vinte membros, quase todos brasileiros, para exprimir os interesses específicos do Brasil – D. João temia que a Constituição redigida em Portugal não se adaptasse ao Brasil. O decreto desgostou os colonialistas portugueses, que desejava o retorno do próprio rei e recusava a autonomia concedida por D. João ao Brasil. O rei, portanto, cedeu às exigências da oposição.

A revolução liberal do Porto conseguiu, enfim, acabar com o absolutismo de D. João, que foi forçado a aceitar a Constituição limitando o seu poder. Assim teria de atender à exigência das Cortes de retornar a Portugal. Pelo decreto-régio de 7 de março de 1821, D. João resolveu voltar a Portugal, nomeando como regente do Reino do Brasil seu filho e herdeiro, D. Pedro. Finalmente em 26 de abril de 1821, decidiu partir. Pressentindo a separação do Brasil.
Fonte: História do Brasil / Boris Fausto - 13 ed. - São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2006

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