quarta-feira, 8 de junho de 2011

Mentoria: uma breve abordagem sobre o tema

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – CIPAD 8
DISCIPLINA: COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL
PROFESSORA: MARIA EUGÊNIA BELCZAK COSTA

Mentoria: uma breve abordagem sobre o tema

Demetrius Cruz e Fernando Banhos

Brasília, 30 de maio de 2011

Introdução

O desafio deste trabalho é abordar, de forma sucinta e objetiva, o tema da mentoria, uma ação revestida de sutilezas e portadora de complexidades muitas vezes inacessíveis a um olhar superficial. A base para a abordagem será a obra de Sylvia Constant Vergara intitulada Gestão de Pessoas .

O trabalho, portanto, acompanhará a organização feita pela autora, sub-dividindo o tratamento (i) na conceituação e na diferenciação do tema; (ii) nos tipos de mentoria; (iii) nas condições para seu exercício; e (iv) nas contribuições para um bom desempenho do mentor.

1. O que é Mentoria e em que ela se difere de outros papéis sociais

O termo mentoria remonta à Grécia antiga, onde significava aquele responsável pelo desenvolvimento físico, social, intelectual e espiritual dos jovens. Mentor é aquele que auxilia alguém a aprender alguma coisa, que, do contrário, sozinho não poderia ou, pelo menos, teria muita dificuldade em aprender. Mentoria é, portanto, a ação de influenciar, aconselhar, ouvir, ajudar e a fazer escolhas.

Sócrates, filósofo grego do século V a. C., praticava, de fato, o ofício da educação fazendo aflorar as potencialidades do educando através da reflexão e da concatenação de idéias. Sócrates influenciou Platão, que influenciou Aristóteles, que influenciou todo o mundo ocidental.

Ainda que se reporte à velha tradição, a literatura em administração iniciou a popularização do tema na década de 1970 com artigos que a apontavam a mentoria como um modo de desenvolver líderes e aumentar as performances das pessoas. O termo Mentoria, não obstante, aparece confundido com outros, tais como: instrutor, professor, tutor, guru. Existem diferenças conceituais entre os temas. Por exemplo: a ação de um instrutor é diferente da ação de alguém que busca o desenvolvimento intelectual de outrem. Instruir é treinar, adestrar, ensinar. Da mesma forma, mentoria difere-se da tutoria (a responsabilização pelo aprendizado do educando) ou do papel do guru (a quem as pessoas seguem incondicionalmente). Mentoria está ligada ao desenvolvimento e desenvolver é educar. Para tanto, o professor deveria ser um educador; contudo, a prática diverge da teoria, pois o desenvolvimento integral pressupõe a atualização do potencial de todas as dimensões humanas: física, emocional, intelectual, espiritual.

2. Tipos de Mentoria

Podemos distinguir dois tipos de mentoria:

a) Mentoria Natural: é aquela que ocorre naturalmente, informalmente, sem planejamento, está associada à idéia de alguém mais velho, que, exercendo influência sobre o mentorado, ajuda-o a alcançar seus objetivos. Não há uma direção organizacional específica, nem produtos previamente definidos, que termina quando o mentorado sente-se em condições de “voar” sozinho. Mentores naturais podem estar no interior de uma empresa ou fora dela. Na empresa, geralmente é um profissional sênior, fora dela, pode ser qualquer pessoa. Mentor natural é, portanto, aquele com o qual se estabelece parceria, cumplicidade, confiança e responsabilidade mútuas pelo aprendizado, ou seja, mentoria natural é uma disponibilidade espiritual e psicológica.

b) Mentoria Intencional: refere-se ao propósito organizacional de provocar mudanças em seu pessoal. A empresa investe na formação de pessoal capaz de amparar aos demais a melhorarem seu desempenho profissional e desenvolverem-se em suas carreiras. A empresa, portanto, investe no desenvolvimento físico, emocional, intelectual e espiritual das pessoas. Mentoria intencional é o mesmo que coaching, que significa conduzir charretes, termo usado por estudantes universitários como gíria de mentor. Mentorar também é conduzir, não charretes, mas estudantes, para o seu desenvolvimento.

Todavia, coach distingue-se do mentor natural por haver uma intenção associada às expectativas das empresas. O coaching está vinculado ao conceito de “dar poder” para alguém que transforme idéias em ações que tragam resultados desejáveis para as empresas. Do ponto de vista da empresa, ambos os tipos podem estar presentes. Ao mentor natural pode-se espontaneamente procurar alguém de fora ou de dentro da empresa, a relação é mais aberta, de efeitos mediatos. Quanto ao mentor intencional (ou coach), em geral é o gerente imediato.

3. Condições para o exercício da mentoria

Há, com efeito, condições para que a mentoria possa ser exercida nas organizações. Tais condições, por sua vez, são de duas naturezas: as de ordem organizacional e as de ordem individual. Cada uma será, em seguida, abordada individualmente.

3.1. Condições de ordem organizacional

Antecipa-se que, para o exercício da mentoria em uma empresa, é indispensável que ela não seja guiada por uma visão mecanicista, incluída aqui a organização que apresenta somente um discurso sistêmico, não uma prática com ele condizente. De outra forma, pode-se afirmar que é condição para o exercício da mentoria a prevalência de uma visão apoiada na teoria da complexidade.

Para tornar a assertiva compreensível, torna-se necessária uma breve abordagem sobre os tipos de visão que conduzem a experiência empresarial.

A visão mecanicista surgiu no século XVI e afirmou-se no século XVII e XVIII. René Descartes, Francis Bacon e Isaac Newton deram-lhe suporte teórico. Uma teoria que percebe o mundo qual uma grande máquina.

No início do século XX, Taylor e Fayol notabilizaram-se por trazer à administração o que denominaram por administração científica, ensejada na visão mecanicista do mundo. Os adeptos da teoria clássica crêem que empresas, órgãos públicos e outros tipos funcionam como máquinas (partes azeitadas, cada qual com sua função). No setor público, por exemplo, é comum ouvir referências à “máquina burocrática”, na qual se caracterizam a rígida hierarquia, a especialização compartilhada e o controle centralizado sobre pessoas, mais do que sobre resultados.

A teoria clássica considera que numa empresa existem seres pensantes, que são os capazes de definir filosofias, políticas, estratégias e modos de operar o negócio, e seres não pensantes, que são as pessoas aptas a executar e obedecer.

A visão sistêmica, em oposição, percebe o mundo como um sistema: uma totalidade cujas partes são correlacionadas, articuladas, interdependentes. O foco privilegia as interações. Tal visão, filha do século XX, cujo pioneirismo pode ser guardado ao bioquímico Lawrence Henderson, permite a compreensão sistêmica da empresa, colocando ela própria e suas partes em seu contexto, estabelecendo relações. Nesse sentido, impõem-se a acentuação do aspecto processual (os fluxos) e a preponderância da visão holística, da visão de totalidade.

Ressalte-se, no entanto, que há ainda hoje uma prevalência de práticas mecanicistas nas empresas, a despeito de um discurso sistêmico. Tal deve-se à razão de que os modelos mentais vigentes são ainda prioritariamente mecanicistas.

A visão da complexidade surge na segunda metade do século XX para dar conta de uma ambiente marcado pelas mudanças profundas e velozes, pela instabilidade do cenário e pela imprevisibilidade dos acontecimentos.

Se a visão mecanicista implica a estabilidade e a rigidez, a visão da complexidade pressupõe a incerteza, os paradoxos. Sua metáfora é a própria vida, com suas ordens, desordens, fluxos e refluxos. Surge a ideia de rede, de tecido, de trama, de teias.

Partindo da observação de que o controle total é impraticável, a racionalidade é limitada, o ambiente é complexo e diversas variáveis entrecruzam-se, a visão da complexidade desenha sistemas adaptativos, capazes de aprender, auto-regulando-se.

É neste cenário, aberto a mudanças e imprevisibilidades, que o exercício da mentoria torna-se possível.

3.2. Condições de ordem individual

As condições de ordem individual referem-se à necessidade do conhecimento da história de vida (i) da empresa, (ii) do mentor e (iii) do mentorado.

É necessário o conhecimento da história da empresa uma vez que ela é o contexto no qual ocorrem as relações entre mentor e mentorado. É fundamental conhecer os propósitos da empresa, seu ambiente, sua filosofia, sua organização de trabalho, a relação entre o discurso de seus dirigentes e suas ações.

Quanto a mentor e mentorado, é vital conhecer sua "bagagem", ou seja, suas possibilidades, seus limites, seus preconceitos, seus estereótipos, sua visão de mundo e sua mútua disponibilidade psicológica para a aprendizagem.

Conclusão

Propõem-se, à guisa de conclusão, uma vez que a mentoria é uma ação sutil, complexa, em cuja natureza reside o exercício efetivo da bondade, da cooperação, da agregação, do reconhecimento, da disponibilidade, da honestidade e do compromisso com o mútuo desenvolvimento, algumas orientações para alguém que pretenda enfrentar o desafio de tornar-se um mentor.

As orientações, sob a forma de dicas, são estas: (i) colocar o mentorado à vontade, o que implica atitudes acolhedoras e coerência entre a linguagem verbal e a corporal; (ii) aceitar o outro como ele é, abolindo uma postura autoritária e percebendo a singularidade de cada um; (iii) inspirar confiança, garantindo - por exemplo - a confidencialidade dos assuntos tratados; (iv) ouvir, dar atenção sincera; (v) falar e calar, mantendo a calma e o distanciamento necessário para a boa avaliação; (vi) exercitar a paráfrase, tomando sempre como base o discurso do outro; (vii) provocar simulações que permitam uma melhor leitura do ambiente; (viii) usar linguagem adequada, verificando o universo de conhecimento do mentorado; (ix) manter o foco da conversa, evitando a dispersão de energia; (x) dar retornos, realimentando conclusões; (xi) dar dicas, como uma forma de direcionamento produtivo; (xi) usar dinâmicas grupais, sorvendo - sob boa condução - a força da experiência coletiva; (xiii) administrar bem o tempo, com sabedoria e flexibilidade nos momentos necessários; (xiv) controlar a si mesmo, mantendo a calma em situações difíceis; (xv) ter alto astral, entusiasmo; e (xvi) refletir sobre seu próprio desempenho, ajudando a si mesmo e percebendo a dimensão de aprendizado do próprio mentor na relação com o mentorado.



Um comentário:

  1. Existe alguma bibliografia que trate esta parte de Mentoria Natural de forma mais aprofundada?

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