quarta-feira, 26 de maio de 2010

O Estado de Direito: Origens e desenvolvimento histórico


O Estado de Direito: Origens e desenvolvimento histórico
Artigo apresentado no curso de pós-graduação lato sensu em Direito Constitucional realizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP como requisito para aprovação na disciplina de Teoria da Constituição e Hermenêutica Constitucional.
Professor: Inocêncio Mártires Coelho
Brasília / 2008

A História registra que Aristóteles em sua célebre afirmação “o homem é naturalmente um animal político” foi o primeiro a defender a idéia do impulso associativo natural, mais tarde foi seguido por Cícero em Roma e, na idade medieval, por São Tomás de Aquino. Afinal, onde quer que esteja o homem, seja qual for a época, ele sempre é encontrado em estado de conveniência com outros, por mais rude e selvagem que possa ser sua origem. Essa é segundo Reis Friede a condição essencial de vida, pois que somente na convivência de outros é que o homem pode satisfazer suas necessidades[1]. Portanto, é natural que, desejoso de viver em comunidade, o homem procure estabelecer associações a partir de algum tipo de identidade social, sendo, pois, inerente ao gênero humano a aproximação com aquele que julga mais próximo através da vinculação social.

Ensina Dalmo Dallari que a origem e formação do Estado suscitam duas indagações fundamentais, uma a respeito da época do seu aparecimento e outra relativa aos motivos que determinaram o seu surgimento. Muitos autores entendem que o termo Estado foi empregado pela primeira vez em “O príncipe” de Maquiavel em 1513, porém usado sempre como denominação de cidades. A expressão acabou sendo admitida em alguns textos franceses, ingleses e alemães no século XVII, desde então este termo passou a indicar propriedade às sociedades políticas, que, com autoridade superior, fixariam regras de convivência entre seus membros de tal modo que a questão não se reduziria apenas ao nome de uma cidade. Portanto, de acordo com a abordagem teórica do termo, podem ser deduzidas a três teorias: o Estado e a sociedade sempre existiram, a sociedade sempre existiu sem o Estado e, como já foi dito, há autores que só admitem como Estado uma sociedade política dotada de certas características muito bem definidas.[2]

As causas do aparecimento dos Estados segundo Dallari levam em consideração questões fundamentais, como a formação originária e a formação derivada, esta a partir de Estados preexistentes e aquela de agrupamentos humanos ainda não integrados. As causas determinantes da origem do Estado se agrupam em origem familiar, em atos de força e violência e em origens econômicas Por meio de fracionamento ou pela união de Estados. Não obstante, conclui Dallari, o mais importante é que o novo Estado tenha viabilidade, consiga agir com independência e procure manter, internamente, uma ordem jurídica eficaz.

A evolução histórica do Estado não pode dispor cronologicamente de ordem sucessiva apoiada na história, todavia, para efeitos sistemáticos, observam-se certos fenômenos sociais e aspectos particulares que apontam originalmente os Estados e suas singularidades. Relacionando o particular com o geral é, para tanto, importante lembrar que o Estado particular não é um fenômeno isolado, pois, depende de fatores históricos inseridos no contexto temporal, sistematizados em tipos empíricos e compreendidos em fases. Assim, com pequenas variações, a maioria dos autores divide esses momentos em Estado Antigo, Grego, Romano, Medieval e Moderno. Contudo, embora haja grande diversidade de opiniões em face à variedade de posições, destacam-se quatro características essenciais do Estado: a soberania, o território, o povo e a finalidade. É claro que a noção de ordem jurídica está implícita, haja vista que em termos objetivos, dento de um conceito contemporâneo, podemos considerar o Estado como toda associação ou grupo de pessoas fixado sobre determinado território, dotado de poder soberano, politicamente organizado, que em geral, guarda a noção de soberania[3].

Essa concepção do Estado como pessoa jurídica representa um grande avanço da disciplina jurídica de interesse coletivo, estabelecendo, através de critérios formais, limitações ao poder pela noção de personalidade do Estado. Tal origem pode ser atribuída aos contratualistas, todavia, seriam necessários alguns séculos para que se admitissem o tratamento jurídico como fundamental a coletividade. Somente no séc. XX, através de notáveis publiscistas alemães, é que se iria completar o desenvolvimento de idéias até então consideradas políticas como objeto da dogmática jurídica, conquanto outras teorias afirmam a existência real do Estado como organismo físico, comparando-o a uma pessoa - visão de cunho científico – com grande número de adeptos que procuraram consolidá-la, havia também inúmeros opositores, sobretudo os que perfilaram o realismo jurídico.

O Professor Inocêncio Mártires Coelho citando Böckenförde assenta que na organização do Estado e a regulação das atividades obedecem a princípios racionais, dentre outros, o da igualdade jurídica, da garantia da propriedade, da liberdade civil e da representação popular no Poder Legislativo, decorrente, portanto, do reconhecimento dos direitos básicos da cidadania e de um governo responsável. Contudo, continua o Professor Inocêncio, o surgimento do Estado de Direito ocorreu no momento em que se conseguiu pôr freios à atividade estatal por meio da lei, assim, embora um conceito polêmico orientado contra o Estado absolutista, o Estado de Direito se caracteriza, em essência, como aquele submetido ao direito, cujo poder e atividade estão regulados pela lei e, nesse contexto, como expressão de vontade geral.

Portanto, a noção básica de Estado de Direito, embora inicialmente forjada no século XVIII pela burguesia, com objetivo de se oporem ao absolutismo, acabou por romper, no início do século XIX, a última fronteira entre as concepções democráticas de uma simples forma de governo com um autêntico regime político. Desse modo, restaria em todos os casos, a plena sujeição do Estado ao conjunto normativo que o mesmo edita para a completa efetivação do regime democrático. Nada obstante, sob este ângulo, somente o fato de o Estado se submeter à lei não seria suficiente para a plena caracterização do regime democrático, posto que, não estivesse assegurada a necessária submissão do Estado à vontade popular e, aos fins propostos pelos cidadãos, surgiria em resposta, logo no início do século XX, a concepção primeira do denominado Estado Democrático de Direito.[4]

O Estado de Direito Social é resultado de uma longa transformação por que passou o Estado liberal clássico quando incorpora direitos sociais além dos direitos civis. Um modelo que nasce em meio à contradição histórica, visto que resulta de três experiências políticas e institucionais diferentes para a produção de três documentos diversos entre si, porém complementares e consonantes, são a Revolução Russa de 1917 (Declaração dos direitos do povo trabalhador e explorado de 1918), a reconstrução da Alemanha após a Primeira Guerra Mundial (a Constituição de Weimar de 1919) e a Revolução Mexicana e suas conseqüências. Portanto definem-se, constitucionalmente, os direitos sociais e trabalhistas como fundamentais da pessoa humana, sob a proteção do Estado, ou seja, o Estado como provedor de garantias institucionais aos direitos sociais e trabalhistas. Entretanto o Estado social permaneceu limitado e definido como um simples modelo avançado do Estado Capitalista, destarte, não se confirmou como real alternativa ao liberalismo que se propusera substituir, gerando uma forte colisão entre o protecionismo econômico e o desenvolvimento dos direitos sociais. Assim, o Estado Social nasce na década de 1920 e tem seu término selado nas décadas de 70 e 80. Paulo Bonavides ilustra bem esse conceito: quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a impaciência do quarto estado faz ao poder político, confere, no Estado constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação, intervém na economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os preços, combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as exportações, concede crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em suma, estende sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual, nesse instante o Estado pode, com justiça, receber a denominação de Estado.[5]

Importante frisar que o Estado de Direito Social não se confunde com o Estado democrático porque esta modalidade de atuação social foi marcante da Alemanha nazista, na Itália fascista, no Brasil getulista, bem como na Inglaterra de Churchill e na América de Roosevelt. Ou seja, o Estado de direito social tanto pode se adaptar ao regime democrático, quanto em regimes totalitários. Dessa forma, a passagem para o Estado Social de Direito, pretende a instauração de uma sociedade ou Estado do bem-estar. Destarte, o conceito de direitos sociais, direitos fundamentais do homem, consagradas como fundamento do Estado Democrático de Direito (IV, art. 1º da CF) implica em verdadeiras liberdades positivas com a finalidade de melhorar as condições de vida dos hipossuficientes. No que tange ao alcance desses objetivos, a Constituição Federal proclama como direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade, e à infância, a assistência aos desamparados (art. 6º da CF).[6]

Por fim, não se pode negar que o Estado Social foi um passo muito importante para a evolução da sociedade, entretanto, a fragilidade desse tipo de Estado implica em mero paternalismo que se encontra imiscuído em uma estrutura política concentrada de poder, autocrática, ou mesmo cerceadora de legitimidade de poder. Todavia a estrutura política do Estado de Direito deve assentar-se sobre aspectos do liberalismo (controle da autoridade e manutenção dos direitos fundamentais do homem), do socialismo (busca da igualdade material e da justiça social) e da soberania (elemento democrático do poder).[7] Para tanto, o aspecto principal do Estado Democrático constitucional residiria na distribuição e nos mecanismos de controle do poder político, fazendo com que este seja realmente submetido aos seus destinatários, ou seja, ao povo. Define-se o Estado Democrático de Direito como sendo a exigência de reger-se por normas democráticas, eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais.[8]

[1] FRIEDE, Reis. Curso de ciência política e teoria geral do Estado. 3ª ed. Forense Universitária. 2006, p. 32
[2] DALLARI, Dalmo. Elemento da Teoria Geral do Estado. 26ª ed. Saraiva. 207, p. 51 e 52
[3] DALLARI, Dalmo. Elemento da Teoria Geral do Estado. 26ª ed. Editora Saraiva. 207, p. 59 a 64
[4] FRIEDE, Reis. Curso de ciência política e teoria geral do Estado. 3ª ed. Forense Universitária. 2006, p. 244
[5] BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p 186.
[6] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: 20ª ed. Atlas Jurídico, 2006, p. 182
[7] SILVA, Ênio Morais. O Estado Democrático de Direito. Revista de Informações Legislativas. Brasília a. 42 n. 167 jul./set. 2005, p. 225
[8] MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais. São Paulo: ed. Atlas, 2000, p. 43

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