Monopólio postal ou uma nova regulamentação para o setor?
Fernando Neves de Freitas Banhos
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso Intensivo de Pós-Graduação em Administração Pública
Pós-Graduação lato sensu, Nível de Especialização
Programa FGV Management
Dezembro de 2011
“Gravíssimos são as conseqüências de um setor público ineficaz para o conjunto do sistema econômico como a constante pressão orçamentária e fiscal, o aumento extorsivo da carga tributária, o descrédito internacional, a hiperinflação, a redução das taxas de crescimento e a estagnação da renda dos habitantes.”
Marco Aurélio Mello
Brasília, dezembro de 2011
Resumo:
O presente foi motivado pela necessidade de se discutir o papel do Estado no setor postal, a natureza jurídica dos serviços prestados pela empresa pública encarregada de administrar o serviço postal brasileiro, que sob o manto de um monopólio legal, mantém-se na contramão das suas expectativas, exercendo uma atividade vital à sociedade de maneira ineficiente. Aqui se discutem as amarras da submissão ao regime de direito público, cujos principais prejudicados são os consumidores finais, como a parte mais frágil dessa relação. Questiona-se a recepção do monopólio postal pela Constituição Federal de 1988, e os dispositivos infraconstitucionais que norteiam essa atividade. Enfim, o estudo analisa qual o papel do Estado na atividade econômica e na prestação de serviços públicos, se propõe, contudo, focar o debate sobre uma nova regulamentação para o setor, uma vez que há sérias dificuldades em conciliar o interesse social da universalização dos serviços com os princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência. Defende, por fim, uma conexão mais eficiente do interesse público com os investimentos privados no setor.
Palavras-chave: serviço postal, monopólio, serviço público, atividade econômica.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
1.1. Contextualização
1.2. Objetivos
1.2.1. Geral
1.2.2. Específicos
1.3. Relevância do estudo
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. A participação privada no setor
2.2. A natureza jurídica dos serviços postais
2.3. A necessidade de um novo marco legal para o setor
3. METODOLOGIA DA PESQUISA
4. CONCLUSÕES
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. INTRODUÇÃO
Uma estrutura de mercado é monopolista quando existe um único agente econômico do lado da oferta e muitos outros do lado da procura. Considera-se monopólio público quando o Estado, titular da empresa pública detém o monopólio legal, ou seja, quando a empresa monopolista for protegida por leis ou mecanismos econômicos oficiais.
O setor postal brasileiro, embora ostente essas peculiaridades de caráter monopolista, presta serviços de qualidade, às vezes, sofrível, uma vez que a empresa estatal, criada para controlar o setor, peca pela ineficiência em detrimento dos custos da sua gestão.
A fundamentação básica para o monopólio é que na maioria dos municípios brasileiros a atividade postal é deficitária, tanto por razões de escala econômica (que reduz as receitas), quanto pela infraestrutura de transporte deficiente (que encarece os custos), determinando, portanto, o caráter compensatório das ações de gestão para viabilizar economicamente a empresa estatal, de tal modo que torna-se indispensável compensar os prejuízos nessas áreas deficitárias com o lucro das regiões rentáveis.
Nada obstante a energia que empreende a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT e dos serviços prestados a sociedade como importante agente de ação social, atuando como Banco Postal, oferecendo serviços bancários básicos à população mais carente, levando a inclusão milhões de brasileiros à rede bancária, ainda não foi possível cumprir um dos seus principais objetivos: a universalização dos serviços, porquanto, mais de 37 milhões de brasileiros estão sem entrega domiciliária e mais de 30 milhões sem acesso a um atendimento postal adequado.
Assim sendo, para aumentar a eficiência do setor postal é fundamental se discutir um novo marco legal, posicionando agentes públicos e privados em nome de um mesmo interesse, visto que, a perda da qualidade decorre, sobretudo, da falta de concorrência, uma vez que o mercado postal carece de novas alternativas para o setor, pois tempo, agilidade e eficiência são diretrizes do novo conceito de serviço postal integrado e dinâmico.
1.1. Contextualização
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT foi criada pelo Decreto-Lei nº 509, de 20 de março de 1696, que tratava da transformação do Departamento de Correios e Telégrafos em empresa pública. Contudo, apenas em junho de 1978, uma nova Lei veio regular os direitos e obrigações concernentes ao serviço postal. A Lei Complementar nº 6.538, de 1978, vinculou a empresa pública ao Ministério das Comunicações, com diversas atividades postais, além de coletar, transportar, transmitir ou distribuir objetos de qualquer natureza sujeitos ao monopólio da União.
Todavia a primeira menção ao serviço postal num texto constitucional data de 1934. Fixou-se apenas como entendimento de que cabia privativamente à União manter o serviço postal, o que veio sendo repetido em todas as Constituições que se seguiram, de 1937, de 1946, de 1969 e na Lei Fundamental em vigor, sendo que apenas a Carta de 1937 contemplou exclusividade.
Importante notar que com o passar do tempo as Constituições Federais veem dando o mesmo tratamento ao serviço postal. Será que o sentido de manter o serviço postal é hoje o mesmo de oitenta anos atrás? Esse fenômeno anotado pelo escritor espanhol VERDÚ (1984, p.179) citando o constitucionalista alemão Konrad HESSE (1992, p.81) é conhecido como “mutação constitucional” , hipótese que a Carta Federal fica obsoleta, permite a interpretação evolutiva reconhecendo que essas “mutações constitucionais silenciosas funcionam, na verdade, como atos legítimos de interpretação constitucional.”
No entanto, o inciso X do artigo 21 da Constituição de 1988 apenas insere o ato de manter o serviço postal e o correio aéreo nacional no âmbito das competências da União.
“Art. 21. Compete à União:
(...)
X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; (...)”
Logo, a Carta Federal de 1988, em seu artigo 177, não recepcionou o serviço postal como monopólio legal do Estado.
“Art. 177. Constituem monopólio da União:
I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;
V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal. (...).”
A criação da ECT consistiu na descentralização da função do Estado, que nesse caso é de manter o serviço postal. Diferente da associação econômica e da livre iniciativa, que orientam os limites da atividade empresarial estatal. Assim, a Administração Pública, para desempenhar suas funções pode funcionar de forma centralizada ou descentralizada, na qual o poder será exercido em colaboração com terceiros.
Uma das modalidades de descentralização consiste na autorização legislativa para a criação de empresa pública, para exploração de serviços de cunho empresarial, nos termos do artigo 175 da Constituição Federal de 1988.
“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.”
A exceção, contudo, decorre do princípio da subsidiariedade, que admite a atividade empresarial do Estado nas situações de relevante interesse coletivo ou de imperativo de segurança nacional, assim reconhecidos em lei, cabendo-lhe nortear a atividade estatal sem que o cidadão perca sua liberdade de escolha.
1.2. Objetivos
1.2.1. Geral
Este trabalho destina-se analisar o setor postal brasileiro. Enfoca, para tanto, qual o papel do Estado na prestação do serviço postal: se equivale a uma prestação de serviço público sujeita ao monopólio legal do Estado ou se trata de atividade econômica em sentido estrito. Pretende, contudo, debater a natureza jurídica do setor postal com ênfase num novo marco legal para o setor.
1.2.2. Específico
Antes símbolo de eficiência, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT tem reproduzido nos últimos anos o que há de pior na administração pública. Loteada, a estatal teve seus principais cargos usados pelos governos que se sucederam como moeda política. Foi assim que eclodiu, entre outros escândalos, o “mensalão” em 2005 e as denúncias que derrubaram a ex-ministra da Casa Civil em 2010.
A criação de um novo marco legal para o setor postal é imprescindível para atenuar um problema cíclico de gestão, uma vez que a ECT obrigada a enfrentar um mercado competitivo, haverá que necessariamente se adaptar, uma vez que, quando confrontado com o mercado monopolista, os consumidores tornam-se impotentes, restando apenas resignar-se às condições impostas pelo vendedor.
1.3. Relevância do estudo
O debate sobre o monopólio legal, sobre a reserva de mercado e sobre a natureza dos serviços postais está longe de se convergir em torno de um marco legal, portanto, ainda que com resultados satisfatórios a ECT não se enquadra integralmente na eficiência de gestão, uma vez que o serviço postal se entendido como serviço público deveria ser de prestação obrigatória, com modicidade de serviços, remunerado apenas através de taxas. A retribuição cobrada pela estatal caracteriza-se mais como tributo e menos como tarifa. Deveria, contudo, ser entendida como taxa sujeita aos princípios constitucionais correspondentes.
Todavia, sendo o serviço postal atividade econômica em estrito senso, não deveria, pois, estar sob o manto de um monopólio que não foi se quer recepcionado constitucionalmente.
A necessidade de se debater um novo marco legal para o setor é ponto fulcral em qualquer abordagem, pois a definição da participação do Estado no setor possibilitaria a dinamização do mercado postal, o surgimento de novas empresas e novos postos de trabalho.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. A participação privada no setor
Em matéria de transporte e logística postal, o Brasil coloca-se na contramão do mundo. De fato, em muitos países o serviço postal foi privatizado ou, no mínimo, a empresa estatal de correios passou a concorrer com congêneres privadas.
À exceção da Holanda e da Argentina, onde o serviço postal foi privatizado, o que se observa geralmente é a participação de recursos públicos e privados na operacionalização dos serviços postais, havendo, portanto, um regime de concorrência na maior parte dos setores de entrega, como na Alemanha e na França, onde se formaram as joint-ventures para atuar no setor. Contudo a Finlândia, a Suécia e a Nova Zelândia aboliram completamente o monopólio estatal do serviço de entrega de correspondências.
A União Européia patrocinou fundamentos para o fim do monopólio postal às nações integrantes do bloco, orientando políticas que flexibilizem os mercados. Nos Estados Unidos, a empresa estatal tem o monopólio da entrega às cartas comuns, mas quanto às encomendas expressas e ao serviço rápido, são abertos à concorrência.
A participação privada no setor postal brasileiro, segundo o Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região – SETCESP chega a meio milhão de microempresas e transportadores autônomos, que, individualmente, atendem a uma região, uma cidade e às vezes um único cliente, como é o caso das empresas de transporte de malotes ou documentos, geralmente expressos, conhecido como courier. Onde, inclusive algumas multinacionais estão voltadas, em especial, a esta modalidade internacional. O transporte privado de cargas fracionadas, conhecido internacionalmente como less than truck load - LTL compreende desde pequenas encomendas, expressas ou não, até grande quantidade de volumes é exercido por milhares de empresas privadas no país, de todos os tamanhos, algumas com mais de meio século de atuação no mercado brasileiro.
Contudo, há várias dificuldades para o setor privado arcar com o seguro de cargas, que no Brasil é obrigatório, não é só o seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Cargas – RCTR-C, como subliminarmente obrigatório, mas também o seguro de Responsabilidade Civil Facultativa por desaparecimento de Carga - RCF-DC. Em média, o custo do gerenciamento de riscos de uma transportadora, adicionado ao custo de seguros, pode chegar a 15% do seu faturamento.
A guerra fiscal entre os Estados da Federação também tem como subproduto mais cruel a obrigatoriedade de manter os caminhões das transportadoras por horas e até dias a fio nas barreiras fiscais dos Estados, a fim de que os mesmos se submetam a um rito rigoroso de fiscalização, gerando custos incalculáveis a todas as empresas de transportes, o que não ocorre com os veículos da ECT que passam livremente por esses postos.
A ECT que do alto da sua história de mais de três séculos de prestígio junto à sociedade, do seu quadro de mais de 112 mil funcionários e servidores, e de um faturamento de R$ 11,5 bilhões (valores de 2009) vêm alijando do mercado seus concorrentes, seja sob o manto do monopólio postal, seja por desfrutar de privilégios que tornam impossível uma competição justa.
2.2. A natureza jurídica dos serviços postais
A discussão sobre a natureza jurídica dos serviços postais inspirou diversos autores que se manifestaram sobre o tema. De acordo com Maria Neuenschwander Escoteguy CARNEIRO (2006) reputam o serviço postal como um serviço público a doutrina majoritária e a jurisprudência no Brasil. Contudo, citam o serviço postal como um exemplo de serviço público, entre outros autores, Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, Eros Roberto GRAU, Marçal JUSTEN FILHO, Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, Diógenes GASPARINI, Hely Lopes MEIRELLES, José Afonso da SILVA, Odete MEDAUAR e Floriano Peixoto de Azevedo MARQUES NETO.
Todavia há sérias controvérsias sobre o tema. Sustentam COSTÓDIO FILHO (2006, p.167), Luís Roberto BARROSO e Celso Ribeiro BASTOS, que à luz da Carta de 1988 o serviço postal deve ser entendido como atividade econômica, em estrito senso, objeto de monopólio estatal.
“(...) ao menos desde 1968, o direito brasileiro não considera o serviço postal serviço público, e sim atividade econômica explorada pelo Estado (àquela altura em regime de monopólio). Com o advento da Carta de 1988, o tema ganhou estrutura unicamente constitucional, não mais podendo ser alterado pela legislação ordinária, mas o sentido manteve-se o mesmo (...). Com efeito, o texto do art. 21, inciso X da Carta Magna cuida de impor a União a obrigação de manter um serviço postal, mas não autoriza o entendimento de que tais serviços tenham se transformados em serviços públicos, na concepção técnica do termo.“
Não obstante, para aqueles que defendem o serviço postal como um serviço público, afasta-se a exploração do serviço da iniciativa privada, salvo por delegação facultada ao Estado. Contudo, se enquadrado como atividade econômica, o serviço postal estaria livre para atuação privada neste setor, ou seja, a classificação do serviço depende do limite de sua exploração econômica pela iniciativa privada e de sua monopolização pelo Estado.
Hely Lopes MEIRELLES (2008, p.333) entende que “serviço público é todo aquele prestado pela administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundarias da coletividade ou simples conveniências do Estado”. Na mesma linha Maria Sylvia Zanella DI PIETRO (2003) afirma que na Constituição, encontram-se exemplo de serviços públicos exclusivos, como o serviço postal e o correio aéreo nacional, os serviços de telecomunicações, os de radiodifusão, energia elétrica, navegação aérea, transportes e o serviço de gás canalizado.
CRETELLA JÚNIOR (2000, p.61) conceitua “serviço publico como toda atividade que o Estado exerce, direta ou indiretamente, para a satisfação das necessidades públicas, mediante procedimento peculiar ao direito público, derrogatório e exorbitante do direito comum”. Já BANDEIRA DE MELLO (2000, p.600) ensina que “serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade pública ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito Público”.
Celso de MELLO ensina que a prestação dos serviços públicos está prevista na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 175 assim disposto: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.” Já a prestação da atividade econômica está assegurada também na Constituição Federal em seu artigo 170 parágrafo único: “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
Contudo, COSTÓDIO FILHO (2006, p.163) estabelece a distinção perfeita entre serviço público e atividade econômica em sentido estrito: “doutrinariamente falando e à luz da Constituição Econômica brasileira, o traço distintivo entre os serviços públicos e as atividades econômicas reside na presença, no primeiro caso, e na ausência, no segundo caso, de dever estatal quanto à sua prestação.”
2.3. A necessidade de um novo marco legal para o setor
Maria Neuenschwander Escoteguy CARNEIRO (2006, p.137) aponta algumas grandes incongruências na lógica do ordenamento jurídico em vigor:
“A Constituição de 1988 não determina expressamente que os serviços postais são serviços públicos; a Lei nº 6.538 de 1978 dá tratamento de serviço público ao serviço postal, mencionando expressamente em seu art. 27, que o serviço público de telegrama é explorado pela União em regime de monopólio; e a Lei nº 9.074 de 1995 que estabelece em regras claras, que o serviço postal é um serviço público.”
Na tentativa de quebrar a exclusividade da União à abertura do mercado, o monopólio tornou-se alvo de diversas ações em todas as esferas jurídicas. Recentemente por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 46, a Associação Brasileira das Empresas de Distribuição - ABRAED pretendeu a declaração da não recepção, pela Constituição Federal de 1988, da Lei nº 6.538, de 22 de junho de 1978, que dispõe sobre os serviços postais, e pela qual foi instituído o monopólio postal da ECT.
Em sede daquela ação constitucional, o Supremo Tribunal Federal - STF afirmou a recepção da norma e a manutenção da atividade monopolista, mas em decisão dividida, seis votos a favor do entendimento de que a norma foi recepcionada pela Constituição e quatro votos contrários. Os que votaram no sentido contrário ao monopólio sustentaram que o mesmo deveria restringir-se à modalidade de correspondência cartas, não alcançando encomendas e correspondências comerciais, tais como cartões bancários, boletos de cobrança, de cartões de crédito, de água, luz, telefone etc.
Conduziu a decisão do Colendo Excelso o voto do Ministro Eros Grau, que, levando em consideração a orientação fixada pelo Tribunal na Questão de Ordem suscitada em Ação Civil Ordinária (ACO) 765 QO/RJ, no sentido de que o serviço postal constitui serviço público e não atividade econômica em sentido estrito.
Prevaleceu o entendimento que a rigor o regime de privilégio de que se reveste a prestação dos serviços públicos do regime de monopólio, confirma que os regimes jurídicos sob os quais são prestados os serviços públicos implicam que sua prestação seja desenvolvida sob privilégios, inclusive, o da exclusividade na exploração da atividade econômica em sentido amplo, haja vista que exatamente a potencialidade desse privilégio incentiva a prestação do serviço público pelo setor privado quando este atua na condição de concessionário ou permissionário.
Asseverou, portanto, que a prestação do serviço postal por empresa privada só seria possível se a Constituição Federal afirmasse que o serviço postal é livre à iniciativa privada, tal como o fez em relação à saúde e à educação, que são serviços públicos, os quais podem ser prestados independentemente de concessão ou permissão por estarem excluídos da regra do art. 175 em razão do disposto nos artigos 199 e 209.
Por fim, restou definido que a entrega de cartas, cartões postais e correspondência agrupada é serviço público e está dentro do monopólio dos Correios. Somente a entrega de encomendas, uma atividade considerada de cunho econômico, está fora do regime monopolista. Monopólio é atividade econômica em sentido estrito, empreendida por agentes econômicos privados. A Corte, portanto, entendeu que a exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de privilégio. Monopólio e privilégio são distintos entre si.
De acordo com o art. 47 da Lei nº 6.538, de 1978, carta é “objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial, ou qualquer outra, que contenha informação de interesse específico do destinatário”. Dessa forma, segundo entendimento do Supremo, cartões de crédito e débito, boletos bancários ou de cobrança de serviços de concessionárias e tributos devem ser entregues exclusivamente pela ECT, pois constituem espécie da modalidade “carta”.
O STF também entendeu que o serviço postal é o conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência e não consubstancia atividade econômica em sentido estrito, pois serviço postal é serviço público. Segundo a decisão, a atividade econômica é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito.
O que motivou o voto dos demais foi a universalização do atendimento postal, uma vez que o monopólio permite compensar os prejuízos gerados por sua atuação em áreas distantes e nas pequenas localidades. Destarte, de acordo com a decisão do STF, não cabe, no momento, rediscutir a questão da abrangência do monopólio postal, todavia é possível avançar no debate sobre a viabilidade econômica da entrada de empresas privadas no setor de entrega de correspondências e não apenas na entrega de encomendas.
O serviço postal é uma comodidade básica da sociedade, sua oferta aos administrados é feita em conformidade com o princípio da generalidade do serviço público conforme artigo 4º da Lei nº 6.538/78: “É reconhecido a todos o direito de haver prestação do serviço postal e do serviço de telegrama, observadas as disposições legais e regulamentares” , predisposto, por isso mesmo, o caráter de serviço essencial, apenas prestado de forma onerosa para que suas despesas possam ser pagas e mantenha a universalidade do serviço.
A Constituição Federal de 1988 aparta as noções de serviço público e atividade econômica. Daí a necessidade da distinção jurídica entre ambas para constatar: se a atividade postal tem cunho econômico e se comporta exploração comercial, ou se o Estado estando presente na atividade postal viola o principio da subsidiariedade. A distinção é necessária em virtude da diversidade de regime jurídico aplicáveis aos serviços públicos e às atividades econômicas.
Nem o Decreto-Lei nº 509, de 1969, nem a Lei nº 6.538, de 1978, classificam o serviço postal como serviço público, ou como atividade econômica. Por outro lado, ambos prevêem exploração econômica do serviço em regime de monopólio. A ECT é uma empresa pública, essa definição reforça a impressão de atividade econômica, como está no artigo 5º, inciso II do Decreto-Lei 200/67:
“Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se: (...)
II - Empresa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito.”
Por lado, o mesmo Decreto-Lei 509/69 instituiu vantagens em favor da ECT típicas de prestadores de serviços públicos, como exemplo no seu artigo 12:
“Art. 12º - A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais.”
Nem a doutrina, nem os tribunais costumam atentar para a inclusão do serviço postal no artigo 1º da Lei n. 9.074/95, inclusão esta que se deu por meio da Lei 9.648/98, a qual introduziu os serviços postais no rol de serviços sujeitos ao regime de concessões e permissões de serviços públicos.
Art. 1º Sujeitam-se ao regime de concessão ou, quando couber, de permissão, nos termos da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, os seguintes serviços e obras públicas de competência da União:
(...)
VII - os serviços postais. (Incluído pela Lei n. 9.648, de 1998).
Recentemente foi sancionada a Lei 12.490, de 16 de setembro de 2011, que em seu artigo 11 alterou os arts. 1º e 2º do Decreto-Lei nº 509, de 20 de março de 1969, para permitir que a ECT atue no exterior e constitua subsidiárias ou adquira empresas já existentes, desde que tais entidades não atuem nas atividades cobertas pelo monopólio postal (art. 1º); e explore como atividades postais, serviços de logística, financeiros e eletrônicos.
São inovações que estão longe de constituírem um novo marco legal para o setor, contudo, foi conferida a possibilidade de constituição de subsidiárias e de aquisição de controle ou participações em outras empresas, inclusive no exterior. O propósito dessa autorização é viabilizar a ampliação das atividades desempenhadas pela empresa, em linha com os novos mercados, no país e no exterior, na exploração de serviços de logística integrada, financeira e postais eletrônicos.
Também instituiu-se a proibição para que as subsidiárias e associadas atuem no serviço de entrega domiciliar. As alterações propostas no não afetam a manutenção do monopólio serviço postal como atribuição da União, tampouco promovem a terceirização dos serviços prestados pela ECT, uma vez que se preservam, integralmente, os vínculos trabalhistas dos funcionários da companhia.
3. METODOLOGIA DE PESQUISA
A pesquisa requer a utilização de várias metodologias para atender aos objetivos gerais e específicos propostos:
- Pesquisa bibliográfica para o fundamento teórico das atribuições da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT a luz da Constituição Federal e das leis infraconstitucionais, assim como para o levantamento conceitual dos termos empregados, baseada em livros nacionais e estrangeiros e artigos científicos, com o intuito de desenvolver um estudo profundo sobre o tema;
- Pesquisa documental para a coleta de dados que fundamentem os argumentos levantados no estudo, devendo ser feita através de legislação constitucional e infraconstitucional; na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 46 e em registros bibliográficos, observando principalmente os conceitos de monopólio de mercado, serviço público e atividade econômica.
4. CONCLUSÕES
O serviço postal, durante muito tempo, foi executado pela União, e não somente mantido, porque não havia empresas com capacidade operacional suficiente para atuar no setor de correspondências por todo o território nacional. Contudo, a partir da década de 1980, surge no Brasil a tendência do Estado se retirar da prestação direta das atividades econômicas. Essa progressiva retirada, aliada à drástica redução da participação econômica trouxe consigo a necessidade de monitoramento dessas atividades, visando evitar condutas anticoncorrenciais ou concentração empresarial, além de garantir a qualidade, a universalidade e a continuidade do serviço, proteger o consumidor contra a ineficiência, o domínio do mercado, a concentração econômica e a concorrência desleal.
A globalização da informação, bem como o advento das novíssimas tecnologias da comunicação abalaram as premissas contextuais e jurídicas do monopólio postal. Evidenciou, contudo, que a universalização dos serviços públicos essenciais já não pode dispensar a iniciativa e os investimentos privados. Falta, portanto, um marco regulatório compreensível para essa nova geração de serviços.
A proliferação de prestadoras de serviços postais no mercado impõe um novo desafio ao Poder Público. Mecanismos de mercados transparentes e regras claras possibilitam o controle, asseguram a livre concorrência e a universalização do setor num ambiente de segurança jurídica, e por fim, um processo de reforma do setor não passará sem se discutir a possibilidade de transformação da ECT em sociedade de economia mista a fim de viabilizar a atuação da iniciativa privada, com maior capacidade de responder às transformações do mercado.
Destarte, estabeleceu-se aqui a relação dos serviços postais com a atividade econômica diferenciando do serviço público, mas todas estas constatações não são pacíficas, pois se temos de um lado um serviço postal “eficiente”, temos de outro uma regulamentação defasada, que não corresponde à realidade da competição no serviço postal brasileiro surgindo à necessidade de nova regulamentação para pôr fim às divergências em torno do tema.
Ficou assegurado o monopólio estatal no envio de correspondências comerciais, como as contas de luz por exemplo. Contudo, atualmente nove das sessenta e três distribuidoras em operação mantêm contrato com os Correios, as demais se utilizam de estrutura própria, terceirizam os serviços ou adotam um sistema de faturamento direto (o funcionário faz a leitura do relógio e imprime a fatura na hora). As distribuidoras, AES Eletropaulo – Eletricidade de São Paulo S.A, a Companhia Energética de Brasília – CEB, a Ampla Energia e Serviços S.A, a Companhia Energética do Ceará – COELCE, a Companhia Energética do Maranhão – CEMAR e a Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG operam com faturamento direto. Inclusive que se utiliza dos Correios para entregar 7 milhões de contas por mês, pretende rever a operação.
As deficiências da ECT são notórias e têm se agravado ao longo dos últimos anos, tanto na entrega de correspondências, quanto na de encomendas. Entendemos que o setor comporta ampla competição, de forma a garantir aos usuários uma melhor prestação de serviços a preços mais baixos. Nesse sentido, e na ausência de óbices de ordem constitucional, não deve haver restrições à atuação de empresas, sejam nacionais ou estrangeiras, que queiram atuar nessa área.
Portanto, há no mercado espaço e condições para que várias empresas atuem, especializando-se em determinado segmento da atividade. O ingresso de novas modalidades de comércio, como as remessas expressas internacionais e nacionais, distribuição urbana (multas de trânsito e contas de telefone, luz, água e gás, impressos, encomendas, marketings direto, financeiro) e o e-commerce, por exemplo, possibilitaram novas alternativas para os usuários do comércio à distância. Junto a essas importantes inovações, novas empresas surgiram das demandas por um serviço postal mais rápido e eficiente. Além da terceirização desses serviços, empresas interessadas na redução dos seus custos de operação também aperfeiçoaram seus funcionários no sentido agilizar e economizar com a prestação dos mesmos.
Contudo, ainda com relação ao monopólio, lembrou o Ministro Marco Aurélio de Melo, relator vencido na ADPF nº 46:
“Preceitos essenciais à ordem constitucional e princípios fundamentais à República, como a livre iniciativa (art. 1º, inciso IV da CF), a liberdade no exercício de qualquer trabalho (art. 5º, inciso XIII da CF), a livre concorrência (art. 170, inciso IV) e o livre exercício de qualquer atividade econômica (art. 170 da CF) estão sendo violados.“
4. REFERÊNCIAS
VERDÚ, Pablo Lucas. Curso de Derecho Político. Madrid: Tecnos, 1984, v. 4.
HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Tradução e prefácio de P. Cruz Villalon. 2ª Ed. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1992.
STF, Pleno, ADPF 46-2007, Rel. Ministro Marco Aurélio de Melo, DJ 25/11/2003.
CARNEIRO, Maria Neuenschwander Escoteguy. Uma Nova Visão do Setor Postal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.
COSTÓDIO FILHO, Ubirajara. O serviço Postal no Direito Brasileiro. Curitiba: J M, 2006.
CRETELLA JUNIOR, José. Administração Indireta Brasileira. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004
SILVA, Jose Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, 20ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000.
HELOU, Urubatan. Um selo contra a ética. In A injustiça do monopólio postal. Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região, 2006.
CARVALHO, Cristiano; PEIXOTO Marcelo Magalhães. Temas de Direito Público Aspectos Constitucionais, Administrativos e Tributos. Curitiba: Juruá, 2005
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988.
BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei n. 200 de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências.
BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei n. 509 de 20 de março de 1969. Dispõe sobre a transformação do Departamento dos Correios e Telégrafos em empresa pública, e dá outras providências.
BRASIL. Presidência da República. Lei n. 6.538 de 22 de junho de 1978. Dispõe sobre os serviços postais.
BRASIL. Presidência da República. Lei n. 9.074 de 7 de julho de 1995. Estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências.
http://www.correios.com.br/bancopostal/
http://jogodopoder.wordpress.com/2011/02/17/aonde-estao-caixa-e-banco-do-brasil-do-governo-do-pt-abandonam-interior-de-minas-328-municipios-nao-possuem-agencia-ou-posto-bancario/